A PRODUÇÃO AUDIOVISUAL NA VIRTUALIZAÇÃO DO ENSINO
SUPERIOR: SUBSÍDIOS PARA A FORMAÇÃO DOCENTE
Dulce Márcia Cruz
RESUMO
O Brasil vive nos últimos dez anos uma crescente expansão da educação a distância (EAD) e da
virtualização da sala de aula no ensino superior. Se antes de 1995 a produção da EAD era uma
tarefa dos profissionais de rádio e TV, com as mídias digitais esse processo também passa pelas
mãos de docentes que podem produzir, transmitir e gerenciar cursos e disciplinas na internet,
tornando-se autores da produção audiovisual e hipertextual de suas aulas. Visando contribuir para
que os docentes tenham noções básicas sobre como produzir para a EAD e para disciplinas semipresenciais
usando meios audiovisuais e hipertextuais, este artigo descreve os elementos básicos
que compõem a linguagem cinematográfica e as narrativas digitais que incorporam a interatividade.
Finalmente, apresenta alguns fundamentos da produção para as mídias mais comuns na EAD
brasileira: material impresso, teleconferência, videoconferência, multimídia/hipermídia e ambientes
virtuais de aprendizagem.
PALAVRAS-CHAVE
Formação docente; Produção audiovisual; Educação à distância; Ensino superior
Área Temática: Educação, Comunicação & Tecnologia
INTRODUÇÃO
O Brasil vive nos últimos dez anos um crescente interesse e perspectiva de
expansão de consórcios e redes públicas e privadas de educação a distância (EAD), além
de um processo de virtualização da sala de aula, com a popularização do uso de ambientes
virtuais de aprendizagem nas disciplinas semi-presenciais. Segundo dados do Anuário
Brasileiro Estatístico de Educação a Distância (SANCHEZ, 2006) da Abraed, o MEC
autorizou 166 instituições a oferecerem cursos a distância em 2004 e 217 em 2005, num
crescimento de 30,7%. Das 217 instituições, 98 responderam ao questionário da Abraed
sobre suas práticas de EAD e os números mostram um pico ocorrido em 2005: 321 novos
cursos em 2005, contra 56 em 2004 e 29 em 2003. Nos dois últimos anos, o número de
alunos matriculados cresceu 62,6%, passando de mais de 300 mil em 2004 para mais de
500 mil em 2005, chegando a um total de pelo menos 1.278.022 estudantes a distância em
2005, somados os cursos oficialmente credenciados e os grandes projetos públicos e
privados (SANCHEZ, 2006). Segundo a mesma pesquisa, as mídias mais utilizadas em
2005 foram o material impresso 84%, o e-learning 61%, o CD-ROM 42%, o vídeo 41% e o
DVD-ROM 27%, um pouco a frente da televisão com 26% e da videoconferência com
25%.
Até os anos 1990, as mídias utilizadas como meios de transmissão dos cursos da
EAD eram o material impresso, a televisão e o vídeo, e os processos de produção
passavam pelas mãos de profissionais especializados, estando os docentes muito mais
preocupados com conteúdos do que com formatos. No entanto, as mídias digitais e a
possibilidade de interatividade em ambientes virtuais de aprendizagem trouxeram novas
maneiras de produzir os cursos a distância. As características das mídias da cibercultura
permitem que usuários experientes produzam, publiquem, transmitam, gerenciem
livremente cursos e disciplinas na internet, eliminando uma boa parte do trabalho de
profissionais, próprios da era industrial, dos livros e dos meios de comunicação de massa.
Esse processo de apropriação vai gerar o que autores como Moran (2000) definem
como de transição para uma nova educação que mistura o presencial e o virtual, sem que
seja possível diferenciar a EAD do ensino tradicional (MORAN; ARAUJO FILHO;
SIDERICOUDES, 2005). Conceitos como mediação pedagógica (MASETTO, 2000),
originalmente voltados ao tratamento do texto impresso em materiais didáticos para EAD
(PÉREZ; CASTILLO, 1994), ganham significado e funções novas quando pensados em
termos de linguagem hipertextual, ou na hora de administrar o volume e a qualidade da
comunicação sincrônica e assíncrona nas comunidades virtuais de aprendizagem
(BARRETO, 2002, 2003).
Uma mostra dessas mudanças é o que ocorreu na universidade brasileira, a partir de
1995, com o início de uma nova EAD, que colocou muitos professores universitários a
ensinar com e através das mídias. Na produção de vídeo-aulas criadas no Laboratório de
Ensino a Distância (LED) do Programa de Pós-graduação (PPGEP) da UFSC, entre 1995 e
2000, por exemplo, os professores criavam conteúdos que eram transformados por
especialistas em roteiros de vídeo, mas também fizeram participações como apresentadores
de TV nos programas pelos quais eram responsáveis (MOTTA, 1999). Da mesma maneira,
a partir de 1999, no mesmo LED/UFSC, professores ensinaram de forma síncrona a alunos
de mestrado interagindo ao mesmo tempo com uma ou várias salas em todo país, através
da videoconferência, em situações em que utilizavam recursos de imagem e som, como
apresentadores de televisão interativa (CRUZ, 2001).
Nas pesquisas que temos feito (CRUZ, 2006) e nas dissertações que temos
orientado nos últimos anos (BEHLING, 2006; OLIARI, 2005; ALBINO, 2003; SANTOS,
2003; GOMES, 2003; GIESEN, 2002; COSTA, 2002; CASTRO, 2002; DANTAS, 2001;
BRUN, 2001), verificamos que os professores querem ensinar pelas mídias e buscam
saberes para isso, tanto no presencial como a distância. Muitas vezes falta apoio
institucional ou condições de aprendizagem constante, mas pode-se perceber um
movimento que mostra que as universidades já estão se preparando para criar uma cultura
virtual entre os docentes, oferecendo capacitação para incluir os ambientes virtuais de
aprendizagem no presencial e formação em serviço para que os docentes ensinem nos
cursos a distância (CRUZ; SIEVERT; TONELLI, 2004; MOURA; CRUZ, 2005).
No sentido de contribuir para o conhecimento nessa área, o objetivo deste artigo é
dar elementos para que os docentes tenham algumas noções básicas sobre como produzir
aulas com os meios audiovisuais seja na virtualização do ensino seja na educação a
distância. Para isso, vamos descrever os elementos básicos que compõem a linguagem
cinematográfica e como as narrativas digitais seguem as mesmas convenções, mas também
trazem alguns desafios ao incorporar interatividade e multiplicidade de oportunidades para
contar histórias audiovisuais. E, finalmente, apresentaremos de forma resumida, alguns
fundamentos da produção audiovisual para as mídias mais comuns na EAD brasileira:
material impresso, teleconferência, videoconferência, multimídia/hipermídia e ambientes
virtuais de aprendizagem.
ELEMENTOS DA LINGUAGEM AUDIOVISUAL
Os meios audiovisuais atraem e são tão populares porque têm sua base numa
linguagem complexa, sensorial, que atinge nossa percepção como um todo, de forma
gratificante e que deve muito de sua expressão ao cinema. A linguagem cinematográfica,
segundo Metz,
é o conjunto das mensagens cujo material de expressão compõe-se de cinco
pistas ou canais: a imagem fotográfica em movimento, os sons fonéticos
gravados, os ruídos gravados, o som musical gravado e a escrita (créditos,
intertítulos, materiais escritos no plano) (STAM, 2003, p.132).
De forma resumida, o cinema para Metz é uma linguagem
não apenas em um sentido metafórico mais amplo, mas também como um
conjunto de mensagens formuladas com base em um determinado material de
expressão, e ainda como uma linguagem artística, um discurso ou prática
significante caracterizado por codificações e procedimentos ordenatórios
específicos (STAM, 2003, p.132).
A linguagem cinematográfica é composta de acordo com Metz por uma totalidade
dos códigos específicos e não-específicos do cinema, ou seja, que são compartilhados com
outras linguagens. Os códigos especificamente cinematográficos são, por exemplo, os
movimentos de câmera, a iluminação e a montagem e os não específicos, os códigos
narrativos comuns. Os elementos não fílmicos participam da criação da imagem e do
universo que aparecem na tela, mas não pertencem exclusivamente à arte cinematográfica
já que são utilizados por outras artes como o teatro e a pintura. Dentre eles, pode-se citar, a
iluminação, o vestuário, o cenário, a cor, o desempenho dos atores. Marcel Martin diz que
os inúmeros meios de expressão utilizados pelo cinema têm uma destreza e uma eficácia
comparáveis à linguagem verbal:
convertido em linguagem graças a uma escrita própria que se encarna em cada
realizador sob a forma de um estilo, o cinema tornou-se por isso mesmo um meio
de comunicação, informação e propaganda, o que não contradiz, absolutamente,
sua qualidade de arte (MARTIN, 1990, p. 16).
Martin afirma que a imagem constitui o elemento de base da linguagem
cinematográfica, sua matéria prima fílmica, e é, antes de tudo, realista, já que é dotada de
todas (ou quase todas) as aparências da realidade: “a imagem reproduz o real, para em
seguida, em segundo grau e eventualmente, afetar nossos sentimentos e, por fim, em
terceiro grau e sempre facultativamente, adquirir uma significação ideológica e moral”
(MARTIN, 1990, p. 28). Para ele, o papel criador da câmera vem de um certo número de
fatores que criam e condicionam a expressividade da imagem. Esses fatores são, numa
ordem que vai do estático ao dinâmico: os enquadramentos, os diversos tipos de planos, os
ângulos de filmagem, os movimentos de câmera.
A produção do cinema é feita em pedaços, na chamada decupagem, que consiste
em escolher os fragmentos da realidade que serão criados pela câmera, eliminando os
tempos fracos ou inúteis da ação. Ao suprimir, cortar ou ligar as diversas cenas são feitas
as elipses, por exemplo, de estrutura, quando são motivadas por razões dramáticas ou de
construção do enredo; ou de conteúdo, quando são motivadas por razões de censura social,
tais como gestos, atitudes e acontecimentos delicados, penosos ou proibidos, que são
sugeridas e não mostradas diretamente.
Um filme é feito assim de centenas de fragmentos cuja continuidade lógica e
cronológica nem sempre é suficiente para tornar o encadeamento compreensível para o
espectador. Para constituir as articulações do enredo, o cinema é obrigado a recorrer a
ligações ou transições, tanto visuais como sonoras e que pode ser comparada à pontuação
na linguagem escrita. O objetivo das transições é assegurar a fluidez da narrativa e evitar
os encadeamentos errôneos.
Essa fluidez é assegurada pela montagem, definida por Martin como “a organização
dos planos de um filme em certas condições de ordem e de duração” (MARTIN, 1990,
p.132). A montagem baseia-se no fato de que cada plano deve preparar, suscitar,
condicionar o seguinte, contendo um elemento que pede uma resposta ou uma realização
que o plano seguinte irá resolver. Por essa razão, o plano psicológico agora pode ser
definido como uma totalidade dinâmica em devir, que se completa quando se encaixa no
seguinte. A cena é determinada pela unidade de tempo e lugar e a seqüência consiste na
sucessão de planos cuja característica principal é a unidade de ação e a unidade orgânica,
isto é, a estrutura própria que lhe é dada pela montagem (MARTIN, 1990).
Dentre os princípios da montagem, o primeiro é que entre dois planos deve haver
uma continuidade (de conteúdo – material, dinâmico e estrutural – de medida, de duração).
A regra essencial que deve ser respeitada na sucessão dos planos é que, para que o enredo
fique claro, a cada novo plano, o espectador deve perceber de imediato o que se passa,
onde e quando, em relação ao que aconteceu antes.
A composição da imagem segue algumas convenções herdadas da pintura clássica e
modificadas a partir do desenvolvimento das artes gráficas e digitais. São de modo geral
comuns à cultura imagética ocidental e se referem a uma educação visual já assimilada
durante a educação e a exposição aos meios audiovisuais. Essa linguagem visual está
presente, portanto, na maioria dos produtos da mídia. Com a televisão, o cinema
compartilha mais do que se diferencia e, neste sentido, tem em comum uma linguagem
audiovisual, que é ao mesmo tempo, som, palavra, imagem enquanto mixados,
amplificados, enquadrados, multiplicados graças aos recursos eletrônicos, criando uma
experiência global unificada (BABIN; KOULOUMDJAN,1985).
Pode-se dizer, depois dessa breve introdução à linguagem cinematográfica, que
uma boa parte da narrativa audiovisual veio do cinema e se apresenta como a base para as
narrativas do mundo digital, como os videogames e a Internet. No entanto, essas novas
tecnologias trazem não só o acesso à produção individual dos usuários (produção de CDROMs,
fotos e vídeos digitais ou simples apresentações multimídia), que também podem
se tornar emissores dessas mensagens (principalmente pela Internet), mas também
representam condições técnicas inusitadas que modificam o caráter dessas mensagens.
Dentre essas novas condições, a que traz maiores desafios é de possibilitar a interatividade.
Neste sentido, a multimídia é uma configuração bastante promissora quanto às
possibilidades de interação. Definida como qualquer combinação de texto, arte gráfica,
som, animação e vídeo transmitida pelo computador, a multimídia representa a reunião de
várias mídias em um mesmo aplicativo. Quando acontece pela Internet, ela pode, através
da abertura de links, ou passagens para outros caminhos, se tornar hipermídia, um
desenvolvimento do hipertexto, designando uma narrativa com alto grau de interconexão,
já que a Internet engloba outras mídias e ainda possibilita interação e liberdade na busca de
informações.
A comunicação via Internet é diferente da que ocorre via TV: deixa de ser uma
comunicação de massa e passa a ser dirigida e direcionada conforme a escolha do
navegador. Por isso mesmo, a possibilidade de estruturas narrativas são desafiadoras ao
permitir a criação de ambientes virtuais, o compartilhamento de experiências em histórias
criadas por usuários da rede (os chamados MUDs, onde os navegadores criam personagens
que agem e se relacionam apenas no mundo virtual tais como os atuais MMORPG, que são
games de RPG on-line que podem ser jogados por milhares de usuários ao mesmo tempo),
fazer contatos com pessoas em outros países, relativizando a noção de espaço e de tempo, e
permitindo infinitas possibilidades de interligação, percorrendo os labirintos abertos a cada
momento.
Por conta dessas diferenças, não é a mesma coisa criar um programa de TV, ou de
rádio, ou um produto multimídia ou uma página na Internet. Não basta mais, portanto,
pensar em termos de mera transmissão de informação, mas é preciso criar novos modos de
comunicar-se de forma que os usuários possam participar, não só recebendo, mas também
ajudando na produção desses programas. Ainda não há respostas prontas e cristalizadas
para esses novos modos de comunicação, já que a linguagem audiovisual está adquirindo
facetas ainda pouco conhecidas com as tecnologias do mundo digital.
A linguagem dos meios audiovisuais se produz diretamente relacionada a seus
atributos técnicos e estéticos. Da mesma maneira, esses atributos geram uma série de
efeitos na sociedade que influem na cultura, na política, na economia e que, por sua vez,
influenciam o modo como a mídia se posiciona e reage à sociedade a qual pertence. Nesse
sentido, é importante discutir a relação entre a educação e as mídias, num momento em que
o conhecimento passa a ter importância capital para a vida das pessoas e um novo modo de
aprender precisa ser desenvolvido na escola. É bom lembrar que os processos educativos e
as mídias não podem ser pensados apenas em termos escolares, mas também em todos os
momentos nos quais se precisa ‘aprender’ algo, desde o modo de usar uma máquina, à
preparação de uma equipe para a realização de tarefas diferentes ou mesmo ao
gerenciamento de um projeto dentro de uma instituição.
Uma perspectiva de atuação que vem trabalhando a idéia da “educação para as
mídias” propõe a formação do “usuário ativo, crítico e criativo de todas as tecnologias de
informação e comunicação” e que vem se desenvolvendo desde a década de 1970 no
mundo todo. Defensora dessa corrente, Belloni (1999) afirma que a única maneira de
conseguir abarcar a complexidade do problema e propiciar uma apropriação ativa e criativa
das tecnologias de comunicação e educação pelo professor e aluno seria por meio de uma
abordagem integradora. Para chegar a isso, as mídias precisam ser integradas em sua dupla
dimensão: como ferramentas pedagógicas (em termos de instrumental e conceitual) e como
objetos de estudo (em termos de ética e estética).
Usar as mídias como ferramentas pedagógicas significa “mediatizar” as mensagens
educativas, ou seja, adequar e traduzir o conteúdo educacional de acordo com as “regras da
arte”, as características técnicas e as peculiaridades do discurso do meio técnico escolhido.
Os “modos de aprendizagem mediatizada” se constituem num novo campo interdisciplinar
da pedagogia que propõe a utilização cada vez maior das mídias na escola, aproximando
professores e alunos das etapas de produção, distribuição e utilização dos produtos
audiovisuais. Isso teria como conseqüência, por um lado, capacitar tecnicamente
professores e alunos (em termos de equipamentos e linguagem) para que conseguissem
produzir seus próprios materiais midiáticos e, por outro lado, capacitá-los a saber como
descobrir e utilizar outros materiais produzidos nas mais diversas fontes.
Para que isso aconteça, é preciso conhecer os mecanismos de produção, de modo
que a educação se realize não só com o meio, mas também no meio. A seguir, vamos
descrever de modo simplificado os processos de produção em algumas mídias para a
educação a distância e na virtualização da sala de aula, privilegiando os casos onde a
participação do docente é mais freqüente e maior sua possibilidade de criação e atuação.